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THE SKIN GAME

Dermocosmética, reviews, aconselhamento

Marketing em dermocosmética - como ler além do que nos é dito

Este post estava há muito para ser escrito porque o marketing em dermocosmética é algo que está muito, muito enterrado em declarações falsas e (propositadamente) passíveis de serem mal interpretadas. Se querem ver-me furiosa e a entrar em rant automaticamente é só porem-me a assistir ao intervalo de programas cujo público-alvo são mulheres adultas... só me falta começar a gritar para a televisão. Mas isto sou eu, que já tenho os meus filtros ligados e estudo esta área há alguns anos. O meu problema era sempre como é que vos explicava aquilo a que devem estar atentos quando vêem um anúncio sobre dermocosmética.

Para perceberem o impacto de afirmações falsas em dermocosmética, um estudo japonês de 2015 concluiu que nas revistas de maior tiragem no país durante o mês de Abril, apenas 18% das afirmações feitas nos anúncios eram verdadeiras (podem encontrar o artigo aqui). Nesse artigo encontrei uma tabela de classificação de afirmações em dermocosmética e decidi utilizá-la (juntamente com outra classificação que podem encontrar neste artigo) para vos explicar como podem e devem aplicar filtros àquilo que lêem e ouvem em dermocosmética. Irão reparar que uso muitos exemplos de cosméticos anti-envelhecimento, pois é principalmente nesta área que se vêem as afirmações mais estrambólicas.

 

Avaliações clínicas/científicas

Exemplos: "dermatologicamente testado", "redução de 20% na profundidade das rugas"

Como pode correr bem: estudos bem feitos são um óptimo indicador (é assim que a ciência avança). Os melhores são dados de estudos avaliados por critérios concretos (profundidade das rugas medida através de parâmetros concretos como a profundidade ou extensão, por exemplo).

Potenciais problemas: 

Há que saber interpretar estudos. Um estudo científico avalia dados concretos e não sensações (essa questão está mais abaixo), mas mesmo os que avaliam dados concretos podem ter problemas. O estudo foi efectuado in vivo (em pessoas) ou in vitro (em laboratório, num tecido ou células)? Porque se um ingrediente estimula a síntese de colagénio em células individualizadas, não significa que o vá fazer na pele de uma pessoa. Os critérios que foram utilizados para a avaliação são objectivos (mensuráveis) ou subjectivos? Qual o tamanho da amostra utilizada e quais as características dos indivíduos? Porque é diferente pegar em 20 pessoas ou pegar em 1000 (especialmente porque é fácil encontrar 20 pessoas que não usem creme nenhum e melhorem imenso as características estudadas só porque passaram de usar nada para usar um creme razoável).

 

Fórmula

Exemplos: "com ácido glicólico", "apenas 9 ingredientes", "hipoalergénico"

Como pode correr bem: alguns ingredientes são claramente reconhecidos por serem eficazes e são um bom indicador de que aquele produto se aproxima do que se procura.

Potenciais problemas: 

Existe uma expressão inglesa para ingredientes que são incluídos na fórmula só para o marketing poder dizer que eles estão lá, "claim ingredients". Isto é um problema porque, tal como nos medicamentos, nos cremes a percentagem interessa (tentem curar uma dor de cabeça com 5mg de paracetamol em vez dos 1000mg e percebem aquilo de que estou a falar). Um dos ingredientes que está constantemente a ser atirado para fórmulas em doses ineficazes é o ácido glicólico, pois ele apenas é eficaz em concentrações superiores a 4%. Contudo, muitas empresas incluem ácido glicólico na fórmula em concentrações muito abaixo só para dizer que o ingrediente está lá, quando na verdade não tem qualquer função no produto.

 

Superioridade

Exemplos: "o produto com mais ácido hialurónico", "anti-envelhecimento #1 em França", "prémio da revista Y para melhor anti-rugas"

Como pode correr bem: dependendo da superioridade citada, pode-se ter em conta como um bom critério. Prémios atribuídos por entidades/pessoas em quem se confia também.

Potenciais problemas: 

Número de vendas não significa qualidade, prémios atribuídos por pessoas não é indicador de que são realmente os melhores (muitas das vezes os prémios são atribuídos porque as pessoas conhecem alguns e não os outros).

Uma questão que me deixa profundamente irritada é a questão do "o produto com mais X". Ok, é o produto com mais daquele ingrediente, mas qual foi a amostra que usaram para essa afirmação? O creme com mais X de todos os produtos do mundo (spoiler: nope), o creme com mais X que se vende no país (spoiler: nope), ou o creme com mais X do conjunto de cremes que eles decidiram pegar porque dava jeito? 

 

Avaliação subjectiva

Exemplos: "a pele parece mais radiante", "80% sente a pele mais hidratada", "alisa opticamente os sinais de envelhecimento"

Como pode correr bem: as sensações são muito importantes num cosmético, já que a pessoa geralmente precisa de sentir o tratamento a funcionar e estes são bons indicadores

Potenciais problemas: 

Parecer uma coisa não é o mesmo que ser ou estar essa coisa. A pele parecer mais lisa apenas pode significar que há um ingrediente que preenche os sulcos da pele e ao toque a pele está mais lisa (que é para o que servem os silicones nas fórmulas). Muitos produtos apresentam pseudo estudos em que as pessoas tiveram apenas uma avaliação subjectiva dos resultados e não uma medição real dos resultados - quando se participa num estudo há sempre expectativas e essas muitas vezes dão a ilusão de resultados. Uma pessoa dizer que sente a pele mais hidratada não significa que a pele esteja realmente mais hidratada, mas sim que ela acha que está.

Outro grande problema são as palavras utilizadas. "Opticamente" é provavelmente a minha preferida, já que significa que esse resultado é apenas um truque visual e não um resultado que esteja mesmo a ser obtido através de diferenças na pele.

 

Recomendação/apoio

Exemplos: "recomendado por 9 em cada 10 dermatologistas", "a figura pública X usa e adora"

Como pode correr bem: indicações são sempre bem vindas e saber que tipo de aprovação uma marca procura é um bom indicador do tipo de consumidor a que quer chegar.

Potenciais problemas:

Como foram obtidos esses dados e qual a amostra tida em conta para fazer essa afirmação? Pegar em 10 pessoas para obter estes dados não é o mesmo que pegar em 1000 (e a forma como são seleccionados também interessa). Se um dermatologista for confrontado com a pergunta "recomenda o produto X, sim ou não?" é diferente de ser confrontado com a pergunta "no caso da patologia/situação Y recomenda o produto X como primeira linha na abordagem?". A primeira situação abre hipóteses a que alguém que recomenda aquele como também recomenda outros 9 produtos de outras marcas e até tem melhor feedback de outros produtos responda sim na mesma (porque é verdade, recomenda, só não é o melhor na opinião dele)... e adivinhem qual é a versão que usam sempre quando querem obter estes dados.

Por outro lado, figuras públicas são pessoas sem formação na área e a opinião dela não é superior nem inferior à opinião da nossa vizinha Maria que comprou o creme e gostou dele. Figuras públicas podem usar o creme X porque alguem lhes deu e adoram, não significa que tenham feito uma extensa pesquisa sobre qual o melhor creme.

 

Ambiental/cultural

Exemplos: "não testado em animais", "ingredientes 100% naturais", "orgânico"

Como pode correr bem: são indicadores de características procuradas pelos clientes e podem ajudar a orientar o consumidor na sua pesquisa pelo produto que vai ao encontro dos seus desejos. São particularmente indicados quando são suportados por algum tipo de organização que produz certificação do produto/marca.

Potenciais problemas: 

A maior parte destas afirmações não está regulamentada, por isso convém procurar bem a fundamentação destas indicações antes de comprar por acreditar - a melhor forma é investigar instituições que acreditem e procurar o logo nas embalagens dos produtos.

Review: The Body Shop Drops of Youth Liquid Peel

Tipo de produto: esfoliante
Função: remover células mortas à superfície da pele
Ingredientes principais: carbómero, glicerina
Quando usar: 2-3x/semana
Embalagem: plástico com doseador
Quantidade: 145ml
Preço: 19€
Onde comprar: lojas The Body Shop

 

Primeiro que tudo há que fazer um disclaimer (e quem me segue no Facebook já sabe do que falo, mas não têm obrigação de me seguir por lá): este produto foi recebido ao abrigo de uma parceria que já não existe. Batalhei muito comigo mesma sobre se colocava ou não esta review no ar porque não é positiva e não quero passar a ideia de que agora que terminaram a parceria comigo, é tudo mau. Isto não é ressabiamento de forma nenhuma e foram as leitoras que acabaram por me convencer a publicar isto porque acreditam que as reviews aqui são imparciais. São e continuarão a ser, obrigada pelo voto de confiança a quem se manifestou nesta questão. Vamos então à review...

 

Este seria um produto com o qual eu não teria grandes problemas caso tivesse outro nome e fosse apresentado de outra forma. Porque o grande problema do produto não é o produto em si, que até tem uma fórmula engraçada e oferece uma alternativa interessante, mas não consigo suportar o facto de estar a ser comercializado como algo que definitivamente não é. Portanto vamos primeiro ver a forma como é comercializado... o produto chama-se "liquid peel", o que faz associar imediatamente a peelings líquidos (geralmente com ácidos em concentrações eficazes numa apresentação líquida que deve ser aplicada com um disco de algodão). Na descrição do produto podemos ler que "88% das mulheres que testaram sentiram imediatamente que as células mortas foram removidas". Atenção, não diz que as células mortas são eliminadas, mas sim que as pessoas que testaram acharam que sim. E isto é o grande problema deste produto, porque vive de criar uma ilusão que, quem não percebe de dermocosmética, acha que é verdade.

 

Então vamos àquilo que este produto realmente é para perceberem onde quero chegar com isto das ilusões. O primeiro aspecto a ter em conta é que a fórmula deste produto não contém qualquer ingrediente com acção esfoliante química. Supostamente este produto deve ser espalhado no rosto com uma massagem e deve continuar a ser massajado até que apareçam resíduos. Aquilo que ele faz é um processo muito simples: a fórmula contém agentes viscosos e uma quantidade bastante elevada de álcool. Ao espalhar o produto na pele, o álcool evapora e o resto dos ingredientes acaba por formar uma espécie de película que, com o facto da pele estar a ser massajada, acaba por esfarelar e esfolia suavemente a pele de forma mecânica.

 

A base aquosa do produto permanece lá, dando o aspecto de que o produto é apenas aquele líquido líquido, e surgem uns "farelos" brancos e acinzentados (da sujidade que agarraram). Contudo, qual é a mensagem que se está a propagar? Que aqueles resíduos que surgem são pele morta que está a sair por causa do "peeling". Gente, se a pele morta saísse com essa velocidade e em pedaços, vocês estavam no consultório de um dermatologista a fazer um peeling de grau médico e não em casa a fazer uma esfoliação que nem vermelhas vos deixa. E é precisamente aqui que está o problema: comercializar um produto com um nome que indica um tipo de acção e ter um método de acção que mimetiza essa falsa acção é estar a aproveitar a falta de conhecimento de quem compra os produtos.

 

Dito isto, este não é o único produto com a mesma técnica, pois ainda ontem falaram-me de outro com as mesmas características (que acabou por ser o que despoletou o surgimento deste post). Por favor, desconfiem sempre das coisas, se vos parecer bom demais é porque provavelmente é. Um peeling que não vos deixa sequer vermelhos mas tira camadas de pele morta não é algo que exista (pelo menos por enquanto).