Cosméticos naturais NÃO são melhores
Desculpem estragar logo a diversão de um título ambíguo, mas este artigo serve precisamente para desde logo estabelecermos bem a ideia do post: os cosméticos naturais não têm qualquer vantagem quando comparados com cosméticos que incluem ingredientes sintéticos.
Mas como eu dizer isto não chega, vamos ponto a ponto tentar desmistificar todas as pré-concepções que existem relacionadas com esta temática. Sintam-se à vontade para fazer questões sobre o assunto e para apontar outras razões pelas quais escolheriam produtos naturais - posso sempre editar este post e acrescentar mais informação.
Sintético versus natural
Apesar da dualidade ser frequentemente apresentada como "natural versus químico", esta apresentação está errada. Porquê? Porque todos os ingredientes têm uma estrutura química, uma vez que são compostos por átomos. Portanto a dualidade aqui deve ser apresentada em relação à origem do ingrediente: foi extraído de uma fonte natural sem alteração da sua composição ou foi submetido a alguma modificação? Assim teremos um ingrediente natural ou sintético (ou semi-sintético, porque muitos ingredientes são obtidos através de ligeiras modificações a ingredientes naturais).
E o ponto mais interessante aqui é: isso interessa para quê? A resposta é "para nada" a não ser para determinar a sua origem. Vejamos a seguinte imagem de uma mistura de ingredientes cosméticos:
Conseguem identificar os de origem natural e os de origem sintética? Bem, o vosso corpo também não, porque a origem não interessa no que diz respeito à acção do produto. Interessa sim onde aqueles carbonos e oxigénios vão encaixar, e não de onde vieram. Não existe NADA no nosso corpo capaz de reconhecer se um ingrediente é de origem natural ou sintética e reagir de acordo com esse critério.
(apenas um aparte: se estiverem tentados a dizer que o último de certeza que é sintético porque "olhem só para aquela monstruosidade de molécula", aquilo é colagénio tipo III que é naturalmente produzido nos humanos a nível da derme e é o que vos dá elasticidade à pele e evita rugas)
Composição de ingredientes naturais
Uma razão que ouço frequentemente apontada como motivo para utilizar cosméticos naturais está relacionada com a simplicidade das fórmulas. É comum as pessoas olharem para uma lista INCI (lista de ingredientes de um cosmético, que legalmente tem sempre de vir apresentada na embalagem do produto) e terem medo de listas enormes com nomes estranhos.
É muito mais pacífico para as pessoas olharem para uma lista de ingredientes e lerem algo equivalente a "Água, Óleo de Sésamo, Óleo de Rosa Mosqueta, Óleo de Tangerina" do que lerem uma série de nomes desconhecidos e potencialmente assustadores. Contudo, vamos atentar na seguinte imagem:
Isto é a composição de um kiwi. O facto de uma coisa ser natural não implica que não seja formada por uma amálgama de ingredientes de nomes estranhos, só significa que temos um nome que habitualmente atribuímos a esse conjunto de coisas e que, por ser tão comum, já não nos faz confusão. Neste caso chamamos-lhe kiwi, noutros casos chamamos-lhes outra coisa qualquer, como óleo de tangerina. E falando de óleo de tangerina, vamos olhar também para mais uma imagem:
Esta tabela potencialmente esquisita foi retirada de um artigo científico que estudou a composição de óleo de tangerina para identificar os vários compostos do dito óleo ao longo do ano. Neste caso identificaram 55 compostos diferentes nos óleos analisados. Podem procurar pelo artigo pesquisando o nome "Composition and Seasonal Variation of the Essential Oils from Two Mandarin Cultivars of Southern Brazil". Isto apenas para referir que, se todos os ingredientes que compõem o dito óleo de tangerina fossem listados como ingredientes, a lista seria absolutamente gigante e ultrapassaria em larga escala o tamanho de uma de compostos sintéticos. Apenas como referência, o normal para um óleo natural é ter entre 20 e 80 compostos diferentes, e todos eles têm nomes estranhos porque são os nomes químicos.
É normal haver um certo medo associado a conceitos desconhecidos, mas as listas de ingredientes não são para serem lidas ou analisadas por quem não sabe o que está a ler. E quando me refiro a "quem não sabe o que está a ler", incluo-me nesse grupo porque não sou cosmetologista nem formuladora, e as minúcias das fórmulas passam-me frequentemente ao lado. Utilizem apenas essas listas caso tenham uma alergia identificada a algum ingrediente.
Alergias e toxicidade
Falando de alergias, passemos a outro tópico frequentemente usado como argumento para optar por ingredientes naturais, que é o medo de desenvolver alergias ou de que os ingredientes sintéticos sejam tóxicos. Tal como já falámos no início, não há nada no nosso corpo que seja capaz de identificar uma substância como natural ou sintética, portanto os casos de alergias e toxicidade não vão estar minimamente relacionados com este factor.
Se pensarem na natureza, alguns dos venenos mais potentes foram criados naturalmente, seja por plantas ou por animais. Conseguem encontrar arsénico no caroço de um pêssego e se comerem um peixe-balão mal preparado podem morrer no espaço de poucos minutos porque os vossos músculos deixam de trabalhar.
Também no caso de alergias isto é uma questão comum, vejo por exemplo imensos pais a optarem por cosméticos naturais para os bebés com medo das alergias que eles poderão desenvolver. Em relação a isto, mais uma tabela:
Esta tabela foi retirada do artigo "Allergic contact dermatitis to plant extracts in patients with cosmetic dermatitis" e essencialmente lista alguns extractos de plantas que habitualmente são utilizados em cosméticos, citando se estão habitualmente associados a números significativos de dermatite de contacto (no fundo a uma reacção negativa exacerbada da pele ao cosmético após aplicação). Como podem verificar, a dermatite de contacto provocada por extractos naturais é uma situação comum, tal como acontece com ingredientes sintéticos.
Além disso, podem ainda pensar no facto de, se cada extracto natural tiver uma média de 30 compostos, então aumenta-se exponencialmente a quantidade de substâncias a que uma pessoa pode ser alérgica, já para não falar no facto da composição dos óleos ser muito variável e portanto ser impossível garantir o que vai estar realmente lá no meio.
Isto serve apenas para mostrar que não é pela origem que uma pessoa vai ser mais ou menos alérgica a um ingrediente. Claro que uma pessoa em particular pode ser alérgica a um sem-número de ingredientes sintéticos e dar-se habitualmente bem com ingredientes naturais, mas o contrário também acontece. O que não pode acontecer é a extrapolação de uma situação em que uma ou algumas pessoas verificaram que tinham mais tendência para fazer alergia a ingredientes sintéticos e achar que isso significa que os ingredientes naturais é que são seguros.
Entrada de substâncias no nosso corpo
Há uns tempos andava por aí a correr uma imagem em tudo o que era redes sociais que citava que qualquer substância que aplicássemos na nossa pele entrava na corrente sanguínea em 26 segundos. Ora, além disto de haver penetração de tudo em 26 segundos ser o sonho de todas as empresas de medicamentos, é também falso.
Primeiro, porque a diferença entre um cosmético e um medicamento é que o medicamento atinge a corrente sanguínea e o cosmético não. Caso haja presença dos compostos na corrente sanguínea o produto é identificado como medicamento e segue os trâmites legais para ser ou não autorizado como tal. Nunca um cosmético atingirá a corrente sanguínea.
Em segundo lugar, referi em cima que essa penetração na corrente sanguínea em 26 segundos era o sonho de qualquer empresa de medicamentos e é um facto. Porquê? Porque apesar de frequentemente a nossa pele ser descrita como uma esponja, ela de esponja não tem nada. Vamos voltar às nossas aulas de primária sobre a pele ser o nosso maior órgão e rever as principais funções da pele: barreira contra o meio externo, protecção contra traumas mecânicos, regulação da temperatura... (sim, eu pus reticências porque não me lembro de todas e vou provavelmente levar porrada da minha mãe, que é professora do 1.º ciclo). Mas vamos àquela que importa aqui, que é a de barreira contra o meio externo.
A pele não é totalmente impermeável, mas também não deixa passar tudo o que lhe aparece pela frente. Para perceber isto, basta pensarmos em situações simples do dia a dia. Visualizem a água, que tem uma molécula com apenas dois átomos de hidrogénio e um de oxigénio (muito, muito mais pequena dos que as moléculas que vos mostrei em cima, portanto). Se a nossa pele fosse uma esponja, nós não precisávamos de beber água, bastava tomarmos banho e a água entrava assim, até porque a molécula é minúscula e passava bem através dela. Mas não, apesar de ficarmos um bocadinho armados em uvas-passa se ficarmos uma hora num banho de imersão, a água não nos matou a sede. Isto porque, apesar de contacto durante mais de uma hora com uma molécula minúscula, ela apenas conseguiu atravessar algumas das primeiras camadas e ficou-se por lá, daí o aspecto enrugado da pele.
Então para onde vão os cremes que colocamos na pele? Eles tentam atingir a maior profundidade possível dentro da pele e depois são removidos com a descamação natural da pele. Não entram no organismo nem em nenhum sistema de circulação de substâncias, o que significa que não atingem órgãos que não sejam a própria pele.
Razões éticas
Infelizmente, os cosméticos de origem natural não são necessariamente produtos mais éticos. E falar de ética é sempre complexo, porque as abordagens a este conceito vão muitas vezes de encontro a terminologias diferentes.
Muitos vegans optam por cosméticos naturais para tentar evitar testes em animais ou ingredientes de origem animal. Contudo, ingredientes naturais podem ser de origem animal (a lanolina, por exemplo, vem das ovelhas) e a origem dos ingredientes não dita se foram ou não testados em animais.
Também pode ser uma tentativa de abordagem contra as grandes empresas. Por outro lado, não só muitas empresas e grupos produzem cosméticos naturais porque é uma exigência do mercado, como muitas empresas pequenas que fazem estes produtos são compradas ou parcialmente compradas por grandes multinacionais. Por outro lado, grandes empresas frequentemente já têm muitos programas éticos, ecológicos e de comércio justo estabelecidos e em pleno funcionamento.
Conclusão
Escolher produtos apenas com ingredientes naturais é uma opção válida, contudo convém fazer uma escolha informada e não apenas baseada em medos infundados e informações erradas. E, como sempre, escolher um cosmético "porque gosto dele" é sempre uma boa razão.