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THE SKIN GAME

Dermocosmética, reviews, aconselhamento

Desmistificar os medos sobre protectores solares

Quem me segue já sabe que não é comum apontar dedos a bloggers ou vloggers em concreto, mas este domingo enviaram-me um vídeo de uma vlogger que conta com cerca de 40k seguidores no Youtube onde o nível de disparate era tão, mas tão elevado, que não vai dar para não fazer um post de seguimento. A Sara do Make Down comentou este assunto nas instastories e disse que ia fazer um vídeo, portanto estejam atentos ao canal dela (quanto mais informação, melhor). Ah, e não adianta pedir links ou perguntar quem foi a pessoa que publicou o vídeo, porque não vai acontecer. Se são bloggers, por favor tenham 2 dedos de testa e deixem de usar a desculpa de que só estão a partilhar opiniões - se se declaram como influenciadores, assumam que têm influência nas pessoas e parem de usar a desculpa das opiniões para a difusão de informação errada e perigosa para a saúde pública.

O vídeo em concreto pareceu-me ser sobre uma temática completamente diferente, mas eventualmente ela acabou por abordar a opinião dela sobre protectores solares, e é disto que vamos falar. Literalmente vou pegar em todo o disparate que foi dito naquele vídeo e explicar-vos porque não é assim. Porque a única forma de combater a desinformação é com informação concreta, portanto vamos lá a isto, gente.

 

"Não faz sentido usar protector solar"

Faz, porque embora a pele tenha mecanismos de defesa contra agressões externas, como a da radiação solar, não consegue de maneira nenhuma dar conta de todos os erros genéticos induzidos pela radiação. Em Portugal são detectados 1000 novos casos de melanoma todos os anos (dados da Liga Portuguesa Contra o Cancro) e na Austrália são detectados 30 casos por dia (dados do Melanoma Institute Australia - sim, o melanoma lá tem um instituto só para ele).

 

"São ingredientes que são extremamente agressivos para o nosso corpo, são extremamente tóxicos"

 Isto foi dito em relação aos protectores no geral. Na verdade pensei que a dita vlogger ia dizer que só se podiam usar os minerais porque eram os únicos que ela considerava seguros (que não é verdade, mas os meus standards com a estupidez alheia estão baixos o suficiente para aceitar isto como razoável). Mas não, aparentemente a dita criatura diz que todos os protectores são tóxicos e sabe-se lá mais o quê.

Se fizerem uma pesquisa na net por protectores solares e toxicidade vão ver um sem número de artigos e sites a dizerem que o protector solar anda a matar-nos aos bocadinhos. Um deles é a EWG, uma organização de gente completamente tresloucada que diz que tudo é tóxico, e que portanto obviamente diz que os protectores são tóxicos. Se por outro lado forem a agregadores de publicações científicas como o PubMed ou o ScienceDirect, percebem que não há indicadores nenhuns nesse sentido. Há um ou outro estudo que vão encontrar que questiona a informação disponível como insuficiente (porque ninguém se dá ao trabalho de investigar uma coisa sem grande fundamento), mas não há um estudo que indique que existe realmente a possibilidade de danos a órgãos por parte de ingredientes de protecção solar. A toxicidade que está realmente estudada em relação a protectores solares está relacionada com o impacto na vida marinha, não com toxicidade em humanos.

(mais informação sobre toxicidade de solares aqui)

 

"Dos primeiros ingredientes que aparecem é o petróleo"

Para começar, petróleo não é um ingrediente cosmético - já explicava a Make Down nas instastories que provavelmente a confusão virá do ingrediente listado como petrolatum, que em português é vaselina, derivada do petróleo, mas não é usada em protectores solares na grande maioria das fórmulas (não vou dizer que não é usada em nenhum porque realmente não sei, mas a ser será em doses baixas e nunca no topo da lista - que indicaria ser um dos maiores constituintes).

O único grande problema da vaselina, por ser derivada do petróleo, é mesmo por questões ambientais e não por toxicidade ou outra coisa qualquer. Lembrem-se sempre que a água também é usada para fazer cimento e construir casas e não é por isso que faz mal - os mesmos ingredientes podem ser usados em concentrações e fórmulas diferentes em contextos diferentes sem no entanto serem piores por causa disso.

(mais informação sobre a vaselina aqui)

 

"Não há necessidade de usar protector solar químico"

De todas as parvoíces que a dita criatura referiu ao longo do vídeo, esta é aquela que menos me chateia (porque ao menos deixa os protectores minerais de fora do saco). Para saberem mais acerca da diferença entre protectores solares minerais e orgânicos, vão a este post, mas vamos então falar de por que é que é importante usar uma combinação de protectores minerais e orgânicos.

A radiação solar é composta por um conjunto relativamente alargado de radiações diferentes (ultravioleta, visível, infravermelho) - para mais informação sobre as várias radiações, espreitem este post. Contudo, ao contrário do que se pensava há 20 anos atrás, não é só a radiação UV que provoca danos na pele, pelo que é importante proteger de todo o espectro da radiação. Vejam a imagem abaixo, relativa ao espectro da radiação solar, para perceberem que a radiação vai mudando de características e ainda é bastante diversificada.

solar-spectrum1.jpg

Portanto é importante que o protector solar vá proteger da radiação solar no seu todo. O problema aqui é que não há um único ingrediente que proteja de todo o espectro de radiação - vejam os gráficos a seguir.

latha6_jan2013.jpg

 

 

typical-absorbance-curves.gif

Para perceberem melhor os gráficos, cada linha corresponde a um ingrediente diferente que confere protecção solar e os picos que vêem correspondem à protecção solar que eles conferem relativamente às radiações. Isto significa que cada ingrediente protege melhor contra uma determinada radiação e por isso o ideal é combinar vários ingredientes diferentes para garantir que vamos conseguir proteger ao longo de todo o espectro de radiação. Assim, o ideal é uma mistura de protectores orgânicos com minerais.

Para referência, os protectores minerais estão no último gráfico, assinalados como TiO2 (dióxido de titânio) e ZnO (óxido de zinco). E sim, eles complementam-se e dão uma protecção bastante interessante, mas se podemos ter mais e melhor protecção, porque havíamos de não aproveitar?

(mais informação sobre os vários ingredientes de protecção solar aqui)

 

"Estou a utilizar óleo de coco como alternativa"

Depois de muita pesquisa, consegui encontrar uma fonte relativamente credível que indica que o óleo de coco protege contra 20% da radiação. Isto pode parecer muito à primeira, mas nos EUA só é considerado protector solar um produto que corresponda a um factor 15, que protege de 93% da radiação solar - e na verdade a recomendação dos dermatologistas é que se vá para pelo menos factor 30 que protege de 97% da radiação.

O óleo de coco pode ser usado em fórmulas como ingrediente hidratante e como forma de tentar aumentar um pouco a protecção solar, mas nunca, nunca, ser usado por si próprio. Não consegui encontrar um único estudo em que tenha sido avaliada a eficácia do óleo de coco como protector solar, e acreditem que com o mercado vegan e bio a bombar, se houvesse maneira de comercializar o óleo de coco como protector solar, ele já estava em todas as prateleiras com essa indicação. Contudo, a legislação europeia apenas permite comercializar um produto como sendo protector solar se tiver passado os testes standardizados de SPF, e portanto o óleo de coco nunca vai ser vendido como tal porque legalmente não pode fazer essa claim. Porquê? PORQUE O ÓLEO DE COCO NÃO CONFERE PROTECÇÃO SOLAR SUFICIENTE e portanto nunca irá passar esses testes.

Mitos - os parabenos provocam cancro

Começamos já a questão principal pelo título. A questão de "os parabenos provocam cancro da mama" é mito. Podia dizer "ponto final e acabou a conversa", mas vocês não têm de acreditar na minha palavra só porque sim. Portanto vamos lá passo a passo deslindar o que se passa com esta coisa toda dos parabenos.

O que são os parabenos?

Em dermocosmética os parabenos são o grupo de conservantes mais usados e com maior eficácia. Isto significa que são usados nas fórmulas para evitar/atrasar o crescimento de fungos e bactérias, por forma a que os produtos possam ser usados durante mais tempo sem contaminações.

São moléculas de grandes dimensões que mal atravessam a barreira da pele (vejam este post para saberem mais sobre este tema), que têm uma eficácia acima da média, praticamente não provocam alergias e têm um perfil de segurança muito acima da média. Isto significa que eram usados em praticamente todos os cosméticos no início dos anos 2000 - fixem este dado, é relevante.

Outro aspecto relevante é que os parabenos são derivados de uma substância que ocorre naturalmente numa grande quantidade de alimentos que ingerimos, o que significa que, se temos parabenos dentro do nosso organismo, o mais certo é que tenham vindo da alimentação e não dos cosméticos que usamos.

 

Como surgiu o estudo que indica que os parabenos provocam cancro da mama?

A primeira coisa a ter em conta aqui é que desde o estudo até aos grupos de Facebook, as informações são alteradas muitas vezes. O estudo que originou toda esta polémica indicou que tinham encontrado parabenos em tecido cancerígeno ("Concentrations of parabens in human breast tumours.", 2004, link aqui). Ora portanto nunca ninguém disse num estudo científico que os parabenos causavam cancro da mama, por mais que as pessoas no vosso facebook e blogues de vida saudável jurem que sim.

Portanto surgiu ali uma teoria de que os parabenos provocavam cancro da mama porque estavam no tecido cancerígeno. Esta informação caiu como uma bomba e, tal como informações-bomba nas ciências, surgiram mais estudos que tentaram replicar os achados e que tentaram explorar esta questão mais a fundo. Ao tentarem replicar esses resultados, os cientistas não só se aperceberam que não estavam a conseguir encontrar uma correlação, como ainda por cima havia uma série de falhas nesse estudo (coisas como o facto de não terem analisado tecido não cancerígeno para verificar se também havia lá parabenos, garantirem que os equipamentos de análise não tinham sido limpos com desinfectantes contendo parabenos e outros dados assim giros que fazem toda a diferença quando se está a tentar estabelecer uma relação causa-efeito).

Ora, não estando o estudo bem desenhado, começou-se a questionar a origem do estudo e descobriram que as pessoas envolvidas tinham relações com uma empresa que comercializava alternativas aos parabenos. Relembro-vos, então, daquele pormenor que pedi que memorizassem: os parabenos praticamente não tinham concorrência porque era impossível devido à sua elevada eficácia e perfil de segurança. Portanto os competidores acharam que abandonar a comercialização das suas alternativas não ia dar e que era melhor desacreditar os parabenos - o resto vocês sabem... toda a gente acha que os parabenos provocam cancro. E, miraculosamente, eles até tinham uma alternativa para oferecer contra esses infames parabenos que eram umas moléculas do demo. O deles não era tão bom, mas hey, ao menos não provocava cancro (perdoem-me o sarcasmo, mas eu não consigo falar deste assunto sem querer bater a umas quantas pessoas). 

 

"As marcas retiraram os parabenos dos seus produtos e até anunciam nas embalagens, por isso é porque há motivos."

Haver motivos, há, mas não é bem aquilo que estão a pensar.

Imaginem que vocês fazem a gestão de uma marca que usa parabenos nas suas fórmulas. Mas agora o consumidor não quer parabenos, o consumidor acha que vocês o estão a tentar matar lentamente enfiando moléculas cancerígenas pela pele adentro e portanto não compra produtos com parabenos. Os vossos concorrentes no mercado até já tiraram os parabenos da sua fórmula, por isso o consumidor olha para os dois e escolhe obviamente o outro produto, que até é mais caro mas não está a tentar induzir cancinogénese. Vocês têm duas hipóteses: ou tiram os parabenos das vossas fórmulas e até metem lá o aviso para terem a certeza que as pessoas sabem que o produto não tem parabenos, ou vão à falência.

Aquilo que falha a muita gente no raciocínio de "as marcas estão a tirar os parabenos" é que não compreendem que se o consumidor achar que os parabenos o vão matar e não comprarem esses produtos que os têm, as marcas são obrigadas a mudar as fórmulas porque querem continuar a vender. Acreditem que as pessoas mais chateadas no mundo com esta tanga de que os parabenos provocam cancro são os formuladores de dermocosmética, que são obrigados a reformular coisas que não deviam ser reformuladas só porque o consumidor não quer aquele ingrediente que funcionava mesmo bem e não faz mal a ninguém.

 

Conclusão

Estamos a obrigar as marcas a reformular os produtos com conservantes menos eficazes e mais caros (acabando depois por pagar esse aumento, porque é o consumidor final que suporta todos os aumentos nas formulas) porque uma empresa que tentava comercializar alternativas a esses conservantes achou que era bonito acabar com a concorrência e nós fomos todos atrás que nem uns patos e sem questionar.

Porque não, os parabenos não provocam cancro. Em caso de dúvida daquela questão de terem uma estrutura semelhante ao estrogénio, relembro o facto da nossa pele funcionar como uma barreira e o facto de que apesar de terem uma estrutura parecida, são 100000 menos activos do que uma molécula de estrogénio.

E a verdade é que, com tanto escrutínio a que os parabenos foram sujeitos desde 2004, chegou-se à conclusão que o seu perfil de segurança é ainda melhor do que se pensava.

Mitos - o que pões na pele vai para o teu corpo

Estamos actualmente a assistir a uma onda de cosméticos bio e orgânicos. Embora não discorde da existência deles, acho que as pessoas que escolhem este tipo de cosméticos devem fazê-lo pelas razões certas e não porque as companhias que os produzem decidem incutir medos infundados. Portanto hoje temos todo um post dedicado a analisar a questão que normalmente muita gente enumera como principal razão para escolher produtos bio e orgânicos e que na verdade é puro mito difundido pelas companhias que oferecem estas alternativas.

 

O que é um cosmético?

 

Temos de começar por aqui para se perceber logo à partida a premissa errada da qual se parte quando se diz que o que se põe na pele vai para o corpo. E dou-vos a definição legal actualmente vigente na Europa: «Produto cosmético» - qualquer substância ou mistura destinada a ser posta em contacto com as partes externas do corpo humano (epiderme, sistemas piloso e capilar, unhas, lábios e órgãos genitais externos) ou com os dentes e as mucosas bucais, tendo em vista, exclusiva ou principalmente, limpá-los, perfumá-los, modificar-lhes o aspecto, protegê-los, mantê-los em bom estado ou corrigir os odores corporais.

E isto é importante porquê? Por causa da zona onde o produto actua: a epiderme. Na verdade a principal diferença entre um medicamento e um cosmético é que o medicamento pode atingir a corrente sanguínea, enquanto que um cosmético não pode.

 

A epiderme

estrutura pele epiderme.PNG

A epiderme é a camada superficial da pele, aquela primeira camada que conseguem ver na primeira imagem. Ampliando, percebe-se que a epiderme é composta por camadas de células e que não há vasos sanguíneos nesta camada. Logo, se os cosméticos não atingem o sistema circulatório, os ingredientes não atingem os restantes órgãos, uma vez que é a circulação sanguínea e linfática que tratam desta distribuição.

Outra coisa a ter em conta é que a pele é um órgão que tem como uma das principais funções servir de barreira contra o meio externo. Se a pele deixasse passar tudo o que lhe metemos em cima como nos querem fazer parecer, não precisávamos de beber água, porque bastava tomarmos banho e a água passava para o nosso corpo. Isto não acontece porque a nossa pele é uma barreira muito impenetrável.

 

Absorção de cosméticos

Estou a ver a vossa próxima pergunta a formar-se na vossa cabeça: "ok, mas se as coisas não passam propriamente para dentro do nosso corpo, então quando os cremes são absorvidos vão para onde?". Os ingredientes que a pele "absorve" ficam na epiderme e vão sendo eliminados juntamente com as células mortas que vão descamando naturalmente.

Para perceberem este processo, remeto-vos de novo para a imagem da epiderme: a camada que contém as células mais novas e ainda vivas é a que está em baixo e conseguem ver que essas células novas têm a forma normal e um círculo que representa o núcleo. À medida que vão olhando cada vez mais para cima, percebem que as células vão ficando achatadas e perdendo o núcleo, o que significa que se tornam células mortas. Este é o processo natural que as células da pele vão seguindo. As células novas aparecem em baixo e vão empurrando para cima as células antigas, que lentamente se vão degradando e morrendo - isto faz com que haja uma migração das células da parte de baixo onde são células vivas até ao topo onde descamam naturalmente (ou então damos-lhes uma ajuda com esfoliantes). Os cosméticos que são absorvidos pela pele vão tentando descer pelos espaços entre as células - mas têm de considerar que estes espaços são muito apertados e não foram desenhados para deixar passar nada, são uma camada protectora. Então, eventualmente os ingredientes que conseguiram ir descendo, chegam a um ponto em que não descem mais e ficam por lá. Eventualmente o espaço onde ficaram acaba por chegar à superfície e eles descamam juntamente com as células.

Assim, os ingredientes "absorvidos" pela pele acabam por sair juntamente com as células, o que significa que nunca foram realmente absorvidos pelo corpo. Mais uma vez, não atingindo a circulação sanguínea eles não são distribuídos pelo corpo e não podem afectar outros órgãos. Além disso, muitos ingredientes têm moléculas tão grandes que apenas actuam à superfície da pele, nem chegando realmente a penetrar pelos espaços entre as células.

(notem que esta explicação é altamente simplificada e o processo é mais complexo do que vos explico aqui, mas a ideia é que percebam o mecanismo geral)

 

"O que pomos na pele vai para o nosso corpo"

Chegando a esta parte já fica fácil de perceber. O nosso corpo tem dois sistemas de distribuição (os canais linfáticos e os vasos sanguíneos) e a única forma de algo ser distribuído pelo corpo é atingir um destes dois sistemas. Um cosmético, por definição, não pode atingir nenhum deles, portanto a distribuição pelo corpo não acontece.

Aquilo que pomos na nossa pele só atinge, portanto, a camada superficial da pele que é principalmente constituída por células mortas e os poucos ingredientes que têm dimensões suficientemente pequenas para irem passando pelas camadas de células acabam por descamar juntamente com elas pelo processo natural de renovação celular da pele.